John
Maxwell Coetzee nasceu na Cidade do Cabo
no dia 9 de fevereiro de 1940 onde estudou até
completar bacharelado em língua inglesa e em matemática. De 1962 a 1965 morou
na Ingleterra trabalhando com informática e preparando uma tese sobre o
novelista inglês Ford Madox Ford. Em 1968, Coetzee completou doutoramento em linguística das línguas germânicas na Universidade do Texas, em Austin. Entre 1968 e 1971 foi professor de inglês na
Universidade do Estado de Nova Iorque, em Buffalo.
Depois de lhe ser negado o direito de residência permanente nos EUA, regressou à África do Sul onde ensinou na
Universidade da Cidade do Cabo, até 2000. Em 2002, ele emigrou para a Austrália e
ensina na Universidade de Adelaide. Coetzee recebeu vários prêmios
antes do Nobel em 2003 e o Booker Prize por
duas vezes: primeiro por Life & Times of Michael K em 1983 e por Disgrace, em 1999.
Numa impecável tradução de José Rubens Siqueira, o
livro Desonra - Disgrace - foi sucesso de público e
crítica, publicado em mais de vinte países. A tradução do título pode ser
considerada apropriada, apesar das controvérsias. Em inglês disgrace tem um sentido de perda de
honra, de respeito e de reputação; em português, desgraça tem um sentido de perda da graça, da fortuna, de miséria num sentido material, portanto, nesse caso, a solução encontrada está adequada ao tema que rege a trama.
Desonra conta a história de David
Lurie, um aguado professor de literatura que não sente nenhuma motivação para
dar suas aulas e passa isso aos alunos com seu modo indiferente e distante. Interessante que o autor descreve uma das
aulas maçantes, logo no início do livro, e
o verbo ‘usurpar’ aparece em destaque por primeira vez. Depois, torna a aparecer sutilmente no decorrer da
narrativa identificando as intenções dos personagens em suas relações. Obcecado
por Byron e seu grupo, passa bastante tempo na biblioteca fazendo pesquisas
para um trabalho que está desenvolvendo. Talvez essa identificação com o poeta
britânico esteja no desencanto com a vida e na tendência depressiva do
personagem.
O professor se sente muito
confortável em visitar uma prostituta uma vez por semana, como se a
exclusividade e a periodicidade lhe dessem segurança, porém não hesita em
persegui-la, como um predador, quando não mais a tem.
O que ainda lhe dá emoção na
pacata vida acadêmica é a busca da libido. Vive perscrutando o campus em busca
de alguma imagem feminina e frágil que lhe desperte o desejo. Então, como raposa velha, sai à caça
implacável até conseguir o que quer. Ele acha que se apaixona pelo belo, e que não
pode viver sem essa sensação.
Assim acontece com Melanie
Isaacs, uma de suas alunas aparentemente também desmotivada com sua vida
universitária e com um namorado inexpressivo. Ela sede ao assédio do professor,
talvez pela insistência dele ou por, de certa forma, se sentir lisonjeada pelo
interesse do mestre. Talvez pressionada pelo namorado, ou pelos pais, muda de
atitude e o processa.
Lurie é exonerado e vai para o
lado leste da África do Sul ficar com a filha Lucy, que mora em uma fazenda. A
filha tem uma relação distante e nem o chama de pai, o chama pelo nome. Diz a
ele que pode ficar por quanto tempo quiser e pelo motivo que tiver.
Tendo como cenário árido essa
terra seca e pobre, as conseqüências sociopolíticas depois do Appartaid de 1994
se manifestam na relação ainda estremecida na luta pela terra entre brancos e
negros e ainda entre as diferenças culturais entre as raças.
Uma noite, três negros invadem a
fazenda e Lucy é violentada. O pai, inconformado e cheio de culpa por não ter
feito nada para impedir o estupro, discute
inúmeras vezes com a filha por ela não
quer ir à polícia e nem querer que saibam o que aconteceu.
O vizinho Petrus é um estranho personagem que representa
essa nova Àfrica do Sul. Sorrateiro e aproveitador, que se faz de desentendido
para ir, aos poucos, usurpando as terras de Lucy. Lucy procura se adaptar e
buscar a melhor maneira de viver naquelas terras ás quais sente apego e que não
pretende deixar nunca.
Para ocupar o tempo, David é
voluntário numa clínica veterinária gerenciada por um casal, onde cães são
sacrificados. O abatido professor acaba tendo relações esporádicas com a mulher,
que foge completamente aos padrões físicos aos quais ele se sente atraído. O
sexo é cru, acontece na clínica, num cenário mórbido.
O livro é instigante, chocante, e
ao mesmo tempo humano, com todas as fraquezas e incertezas dos personagens
masculinos, com exceção de Petrus que sabe exatamente onde quer chegar. Os
personagens femininos são mais marcantes: Lucy, que se impõe perante o pai e
assume sua sexualidade, suas ideias políticas e morais; a dona da clínica, que decide o destino dos
miseráveis cães e assume sua libido; a
mulher de Petrus, aparentemente submissa, mas que tem convicção de sua cultura
e do que é melhor para a família. Melanie, no entanto, é representação de um caráter fraco e
influenciável de menina branca, universitária bem nascida em ambiente elitista e racista.
Tudo no livro é muito duro,
bizarro e desolador. Ao escrever sobre a obra, senti uma tristeza ainda maior
do que quando a li, como se tivesse de passar novamente por grandes
sofrimentos, por uma angústia existencial e conflitante.
Poligamia, estupro, posse de
terras, protecionismo e vários tipos de preconceito regem a intrigante
história. Coetzee escreve de maneira
direta, enxuta, faz cortes abuptos e perfeitos. Não enfeita, não enrola. Tece a
trama com conhecimento de causa, de modo tão leve que o leitor não sente que
está lendo e sim vivendo o que o autor quer que o leitor viva.
Coetzee tem algo de Phillip Roth
na maneira direta de escrever, mas, principalmente por fundir autor, leitor e
personagens. O primeiro, mais frio e
depressivo, o segundo mais emotivo e passional, ambos mergulhadores na alma
humana, pescadores dos sentimentos mais profundos e obscuros. O leitor é
capturado, abduzido, sem escapatória começa a se sentir parte da história
Apesar de entender que o
personagem do professor fala várias línguas, portanto o fato se justifica,
fiquei bastante irritada com as palavras estrangeiras, não pude identificar
todos os idiomas, o que achei pernóstico. Acredito que a intenção de Coetzee
fosse demonstrar a diversidade cultural do ambiente, mesmo assim me incomodou. A
idade do protagonista, que se diz com cinqüenta e dois anos, me pareceu inverossímil.
David Lurie tem pensamentos e atitudes de homem mais velho, mais próximo da
morte.
A capa do livro da edição cedida
pela Cia das Letras é inexpressiva. Não havia percebido que a palavra desonra estava
no projeto gráfico, achei que era apenas um desenho geométrico.
Para concluir, Desonra é um livro
imperdível, maduro, pesado e ao mesmo tempo sensacional.