Jardim Alheio
tradução literal do poema - Não é a primeira
vez que, em algum lugar, alguém está pensando a mesma coisa que você está
prestes a dizer. Originalidade não tem vez neste mundo, nem neste tempo, nem
neste lugar. Mesmo que você faça alguma coisa, nada vai mudar. É perda de
tempo. É perda de tempo dizer qualquer coisa, mesmo parecendo que desta vez vai
valer a pena. Não caia nessa porque é sempre a mesma coisa. Tanto faz tentar
dizer coisas que fazem sentido, ou simplesmente se contradizer. Melhor não
dizer mais nada, em vez de ficar o tempo todo aborrecendo as pessoas, sem sair
do lugar, dizendo as mesmas coisas sem importância, como faz esse poema. Talvez
esse poema diga coisas sem importância, talvez não diga e isso que acabei de
dizer tenha sim importância.
No
poema “Circular” Paulo Henriques Britto faz um verdadeiro “sudoku” com as palavras criando um quebra
cabeça que exige raciocínio e lógica. Apesar de ser aparentemente simples, o
poema é intrigante e, de certa forma, hipnótico, pela forma e pelo conteúdo. O título já propõe um movimento que poderia ser
interpretado como o ciclo da vida onde a natureza se repete, e as pessoas, sem
perceber, também se repetem em palavras, o tempo todo. Aborrecem os outros com
esse vício tão humano de querer chamar atenção para si, de querer exibir suas
ideias aparentemente inteligentes e elaboradas, quando não passam de mesmices. Ao
pensar que tudo já foi dito, o melhor é se calar, diz o poeta, porque seu próprio
poema pode não ter a menor importância e ser mais um lugar comum, ou não.
De fato, o poema “Circular” nos faz
pensar, primeiro, se não estamos apenas repetindo o que ouvimos por aí e
aborrecendo os outros com palavras sem valor. Segundo, nos leva à reflexão se o
próprio poema tem importância, ou não. Em uma análise reflexiva, porém,
percebe-se que a originalidade está justamente na mensagem que nos alerta para
esse movimento circular de pessoas se repetindo. Geralmente, quando entramos
num círculo vicioso, não nos damos conta de que estamos presos nele. Perceber esse
fato já pode ser meio caminho andado para sairmos dessa roda de “repetidores” e
darmos o primeiro passo iniciando o caminho que decidimos, nós mesmos, desenhar
e seguir.
O poema de Britto é direto, incisivo,
moderno, de rima peculiar. Tem uma clareza quase assustadora, ao mesmo tempo
instiga o pensamento. A repetição das palavras, no final de cada verso decassílabo
e alternando-se harmoniosamente ao longo do corpo do poema, pode passar
despercebida aos olhos menos treinados ou viciados em alguma mania “circular” que
não permita que enxerguem ou sintam a engenhosidade e beleza do poema.
“Para entender o tradutor como poeta
tentei “traduzir” seu poema e seguir sua teoria de “ não teoria”, ou seja,
mergulhei na prática e, aos poucos, fui entrando na sua essência (espero). Como
leitora, recebi cada descoberta de braços abertos e a mensagem já ficou
gravada, creio que para sempre.
Tradutor profissional tanto nas direções inglês - português como
português - inglês, poeta e ensaísta, Paulo Henriques Britto atua como professor nas áreas de tradução, criação literária e
literatura brasileira na PUC-Rio, que lhe concedeu em 2002 o título de Notório
Saber. Já traduziu centenas de livros, tendo como suas principais traduções obras de Faulkner (2004),
Byron (1989, reed. 2003), Bishop (2001), DeLillo (1999), Pynchon (1998), James
(1994) e Stevens (1987). Prestigiado pelo seu trabalho não apenas como tradutor
mas também como escritor, foi contemplado com vários prêmios, mais recentemente
com Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, pela
obra Macau, concedido pela Portugal Telecom, 9 de novembro de 2004
e Prêmio Alceu Amoroso Lima - Poesia 2004, pela mesma obra, concedido pelo Centro Alceu Amoroso Lima
Para a Liberdade e a Universidade Candido Mendes, 9 de dezembro de 2004.
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