07 agosto 2014

CONTRACORRENTE - FREDERICO BARBOSA

JARDIM ALHEIRO – 
Livro: “Contracorrente”, Frederico Barbosa - Editora Iluminuras Ltda – 2000.
Tomo por princípio o ponto de vista do leitor que, por primeira vez mergulha na poesia de Frederico Barbosa. No belo projeto gráfico de Carlos Fernando, o volume apresenta agradável tamanho de 14,0cm X 18,5cm, 64 páginas de um papel de ótima qualidade, na cor ocre, com fonte moderna e de fácil leitura, na cor preta e em negrito. Ao abrir a orelha, a surpresa de um marcador de livros a ser destacado. Na apresentação, o autor diz que a missão do artista é buscar novos caminhos, sem nunca retroceder ou ceder.  Sua busca na poesia, já deixa claro desde o início, é  focar na invenção e no rigor. Sua “Contracorrente” se propõe a ser “uma luz, ou uma pedrada que incomode os acomodados de todos os lados”.  Intrigante.

A capa realça uma reprodução da litografia “ Square of Three: Black and Yellow” de Reginald Neal – 1964, que traz associação imediata à década de 60 - marcada por um sabor de inocência e até de lirismo nas manifestações sócio-culturais e, no âmbito da política, o evidente idealismo e entusiasmo no espírito de transformar o mundo  -  em contrapartida ao rígido moralismo da década anterior.

O Poeta pernambucano nascido em Recife no ano de 1961, filho do crítico literário e professor João Alexandre Barbosa e da professora Ana Mae Barbosa, sem dúvida sofreu influência da controvertida década que teve como mote derrubar muralhas sócio-culturais e morais. Diretor da Casa das Rosas, educador e comunicador inquestionável, define-se também orador competente. Como poeta, supera-se!
 “ Contracorrente” tem posfácio de Antonio Risério que parte do princípio que os adeptos à idéia de que para ser poeta é preciso não saber o que é um poema - alguns chegando ao exagero de afirmar que o poeta deve ser, de preferência, analfabeto - estão equivocados. Segundo o escritor e antropólogo, Frederico dá seu recado sem paparicar ninguém, o faz simplesmente porque sabe escrever sem medo de assumir a herança que recebeu de mestres como João Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos.  Na contracapa, o respeitado crítico literário Antonio Candido define o poeta “plenamente integrado na sua personalidade poética” e que seu lugar é entre os verdadeiros poetas de sua geração.

Que mais se poderia dizer? Os mais importantes críticos são unânimes ao ressaltar a estirpe do poeta, seu talento, sua ousadia, seu cuidado excessivo com cada palavra, sua preocupação com a estética, seu estilo contraventor. Não se pode deixar de falar de sua sensibilidade ao capturar imagens do cotidiano de uma grande cidade, o erotismo dos apaixonados, as trevas da depressão dos mais sensíveis.
Para expressar o impacto que a poesia de Frederico Barbosa causou, vou usar o recurso de uma ótica psicanalítica confessando que ao ler “ Contracorrente” pude visualizar uma disciplinada bailarina clássica que ensaia horas a fio aperfeiçoando a técnica e, quando se supera, perfeita e transpirando música pelos poros, domina o palco em movimentos modernos e ousados, na liberdade e amplitude de uma dança contemporânea. Talvez por censura (ou preconceito), no decorrer da leitura, vi  também a imagem masculina do músico apaixonado pelos clássicos que estuda história da música, percepção e prática instrumental, harmonia e contraponto, regência e arranjo. Pratica à exaustão, domina o instrumento para depois improvisar um jazz contemporâneo, alterando melodias e compassos.
O livro se divide em quatro partes: Recusa; Encontros Diversos; Trocados da Sorte; Na Passagem. Para comentar cada poema seria preciso mais tempo e mais aprofundamento. Todos me tocaram de alguma forma, nenhum passou em branco. Todavia, prefiro comentar as poesias de maior impacto. Como tradutora, tento “traduzir” a emoção despertada na imersão nos versos. Desexistir, por exemplo, onde o eu lírico expressa a angústia de saber que a hora de se matar já passou, é forte. Desexistir e desisitir se tornam hábito, num jogo de palavras, numa idéia de desesperança e sofrimento. Já em Diálogo com Poema Adolescente, o autor conversa com ele mesmo e compara uma época, 1979, quando nada faz sentido, e 1999 quando o que faz sentido é a morte por envenenamento de um corpo que envelhece; I, The Tempest, impressionante pela força das poucas palavras que conseguem transmitir a turbulência de uma alma jovem, com sede de viver.

Notei que Raro Cantar tem 11 sílabas métricas em todos os versos. O Raro Cantar dos raros versos hendecassilábicos. Frederico ousa! 
Jeans se traduz em imagem impactante, não dá para não pensar no erotismo que um jeans colado à pele provoca, não importa quem o vista, homem ou mulher. E leva imediatamente a Ad, o ser que admira a beleza incondicional. Sabia, Lá e Paulistana de Verão seguem a linha sensual. O concretismo de O, chama atenção pela forma, com um ponto solto no final.

Ainda nesse grupo, Memória Se vem com duplicidade e pode ser o que o leitor quiser que seja.  Foi possível visualizar uma cena completa, o prazer nas dobras e desdobras do papel ao fazer um cigarro de maconha, no gosto redondo e na língua retina ao fumar, soprar e rir, sentindo o perfume da erva.
Na terceira parte, o poeta seleciona suas impressões sobre a grande cidade: um passeio desolado pela BR-116, a dificuldade que o cidadão tem ao se deparar com a miséria ao lado do luxo, o não querer ver e a culpa, em Rabo de Fora. Chuva, ratos, prostitutas, indignação e inconformismo.
E, por fim, na última parte, o desespero e a ansiedade de ver chegar a Nova Era vêm em forma gráfica, números enormes numa contagem regressiva. O novo milênio, que já nasce ultrapassado. Já era!

Sandra Schamas 

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