11 junho 2018

QUANTOS ANOS VOCÊ TEM? por Sandra Schamas

Filha e neta de duas italianas poderosas e muito  vaidosas, cresci achando que perguntar a idade de alguém, além de falta de educação, era um sacrilégio. Assim que percebi que não ia conseguir resposta para essa pergunta direta, resolvi mudar de estratégia. Comecei a perguntar a idade de outras pessoas da família, começando por meu pai que, já instruído, mudava de assunto. Assim, só fui saber a idade de minha mãe quando precisei mexer nos documentos dela, antes de uma grave cirurgia que precedeu sua morte. Mesmo assim, me sentia desconfortável.

Será que o número é tão importante? Acho que hoje em dia, sim. As revistas de fofoca não se cansam de dizer a idade dos famosos. Fulana (65) e fulano de tal ( 49) embarcam para Paris. Fulaninha (28) diz que ainda é cedo para ser mãe, mas que um dia vai realizar esse sonho. Beltrano (75) corre a Maratona de NY.

Acredito que esse tabu vem de um preconceito ocidental para com as pessoas mais velhas, que a partir de determinada idade ficavam à parte, ou se colocavam numa posição de recolhimento achando que não havia mais nada para fazer , muitas vezes se tornando  um estorvo para as famílias. O preconceito de idade também tem  a ver com a sexualidade e o período de reprodução. A menopausa, para as mulheres, que pode ser bem incômoda, e o medo da impotência que assombra os homens. Havia também um conceito interessante a respeito da  idade certa para se casar: a mulher deveria ser mais jovem que o marido. Existe até uma tradição popular no Oriente Médio em que, segundo alguns, a idade ideal da esposa  deve ser a metade da idade do marido +7. Então, se ele tem 30, ela deve ter 15+7= 22. Se ele tem 60, ela deve ter 37. Interessante. Nada disso é válido hoje em dia e as diversidades estão aí para serem defendidas.

Voltando à questão do envelhecer, muitos problemas que se referem à saúde e a aparência, a ciência pode resolver. Tratamentos de fertilidade, hormônios, Viagra, inseminação in vitro,  barriga de aluguel, mãe que empresta o útero para gerar o embrião da filha, isso sem falar na criopreservação de óvulos sêmen e embriões.  Além do incentivo à cultura ao corpo, promovido pela mídia, é possível se obter resultados milagrosos no campo da cirurgia plástica, lipoescultura,  próteses, rejuvenescimento das mãos, na aparência do rosto, dos cabelos e  dentes. Técnicas super inovadoras tornam realidade o sonho da fonte da juventude.

Então, por que será que as pessoas ainda não gostam de falar de idade?

Ontem, depois de um fim de semana cheio com família e amigos, as dores, até então dissimuladas por tantos sentimentos bons, acabaram se manifestando. Pensei, então: é tão bom estar por aqui. Que pena que o corpo envelhece. Que pena que quando a mente está a todo vapor, o autoconhecimento em plena forma, a experiência em plenitude, a vontade de viver a mil, o corpo começa a dar sinais de desgaste. Que pena!

Justo agora que posso fazer tantas coisas por mim mesma e pelos outros, tanto no âmbito familiar quanto no social mais amplo, tentando deixar um mundo mais justo para as futuras gerações,  meu corpo me avisa que não tenho mais tanto tempo?

Nessa fase da minha vida isso  me preocupa. Tenho a certeza de saber que um dia não estarei mais aqui e a incerteza de não saber quando isso vai acontecer. Enquanto isso, vou fazendo o melhor que posso. Como? Descobrindo belezuras da natureza escondidas nesta selva de pedra que é a cidade, apreciando as coisas mais simples, curtindo os amigos, olhando nos olhos dos desconhecidos e prestando atenção no que eles falam. Brigo com as parafernálias tecnológicas, mas gosto de aprender. É claro que nem sempre sou uma Poliana fazendo o jogo do contente, tal seria. Sempre que posso, procuro sempre habitar naquele lugar do meu coração que me diz que estar viva já é um presente. No presente.

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