03 janeiro 2016

Moleque



Chovia a potes. Era uma daquelas tardes de janeiro quando a chuva, em vez de refrescar, levanta um vapor do cimento quente. O café estava vazio e Zé preenchia várias cartelinhas da loto. O pequeno toldo de lona enchia de água e criava um chuveiro grosso no canto direito da fachada. Ele ficou preocupado, com medo que a armação desabasse. Pegou uma vassoura e cutucou o tecido, eliminando a água pelos lados da cobertura. Pronto. Deveria funcionar por um tempo.
A chuva continuava e o toldo tornava a encher. Quando Zé ia repetir a operação lá estava um moleque debaixo de onde caía mais água. Devia ter uns 10 anos, vestia uma camiseta escura onde se lia em letras grandes University of Miami. Por estar ensopada, quase chegava ao chão e o garoto lá, pulando, de boca aberta, tomando água da chuva.
Zé ficou olhando e riu. Ele mesmo tinha vontade de sair na chuva, chutar poças d’ água e brincar na enxurrada. Mandou o garoto sair duas vezes e na terceira vez o menino respondeu:
- Eu me chamo Denílson e só tô tomando chuva, moço.
- Entra aí, Denilson, sai da chuva – disse Zé complacente.
Pingando e feliz da vida, o garoto aceitou. Tirou a camiseta e torceu para o lado da calçada, depois sacudiu bem e torceu de novo. Espremeu as laterais do shorts de nylon e passou a mão no cabelo molhado.
- Posso ir no banheiro? Só pra lavar a mão.
- Vai lá, mas não faz bagunça, tá?
Saiu do banheiro com cheiro de sabão líquido. Zé achou que ele tomou banho na pia, ficou com dó. Preparou um café com leite bem quente, pão com manteiga e puxou conversa. Denílson estudava na escola pública do bairro, trabalhava no mercadinho fazendo entregas, ajudava a mãe e jogava no timinho da rua. Dava duro, fazia o dever, mas naquele dia resolveu cabular.

Era uma daquelas tardes abafadas de janeiro e Denílson era apenas uma criança.

Nenhum comentário: