18 janeiro 2016

Enchente

Em frente ao café, do outro lado da rua havia um ponto de ônibus bem na porta da oficina de um tapeceiro, coitado. Era um inferno cada vez que ele precisava entrar ou sair com sua caminhonete velha, ora carregada com poltronas sujas, ora com sofás renovados, cobertos com plástico-bolha. Como o ponto não tinha cobertura de alumínio, o sol batia sem piedade e o povo se amontoava quase dentro da oficina, para poder ficar na sombra. Em dia de chuva era pior.

Próximos ao ponto, ficava um vendedor de balas e outras porcarias, uma senhora com bolos, enormes pães de queijo ocos e  várias térmicas de café, aqueles vendedores de chicletes e chocolates que ficam fazendo discurso dentro do ônibus. Boa tarde pessoal. Desculpe atrapalhar sua viagem, pessoal. Um deles, vestido de palhaço. À tarde, churrasquinho de gato com farinha e tudo. A calçada esburacada ficava cheia de lixo, descartáveis, plástico, bitucas, cusparadas, um nojo. Um dia, chamaram um cara para retocar o cimento e o folgado cimentou por cima da sujeira. Na primeira chuva saiu todo o cimento, não adiantou nada.

Zé olhava e pensava nas enchentes que vira no noticiário na noite anterior. Nisso, um bêbado dá sinal para o ônibus. A porta se abre, ele agarra o corrimão, atira a lata de cerveja no meio da rua e sobe. O cobrador aproveita e arremessa um monte de papel picado pela janela.Um passageiro cospe pela janela e um garotinho joga papel de bolacha pela janela seguinte.

A vizinha do tapeceiro resolve lavar o quintal, manda um balde cheio, e a água com sabão escorre pela calçada. As pessoas paradas esperando o ônibus se afastam erguendo um pé de cada vez. Reclamam, mas a vizinha nem liga e esfrega o chão com a vassoura.


Zé olhava e pensava que era melhor ficar lavando xícara o inteiro do que sujar a rua daquele jeito. Gente porca. Depois reclamam das enchentes.

Nenhum comentário: