Desanimada,
ela abre a janela para ver como está o dia. Nem se lembra que é domingo
novamente, mais um detestável domingo de sol e de solidão. Arrastando os pés
vai até a cozinha, mecanicamente toma um copo de água, meia dúzia de
comprimidos. Pega o jornal na porta, joga em cima da mesinha e liga a tevê. O
telefone toca, mas ela não atende, não quer falar com ninguém, não quer ver
ninguém. Com os olhos fixos na tela, não presta atenção na veemente pregação do
pastor evangélico e nos fiéis que a cada final de frase dizem aleluia! Precisava comer alguma coisa. Olha a geladeira vazia, decide sair para tomar o café da manhã perto de sua casa. Troca de
roupa, lava o rosto, escova os dentes, penteia o cabelo de qualquer jeito. Quando se olha no
espelho desanima; está branca, com olheiras, parecendo dez anos mais velha. Foda-se.
Sabia que ninguém iria olhar para ela, mesmo. Pega o jornal, bate a porta e
sai.
O dia
estava agradável, caminha até o café do Zé, olha para o céu e puxa a cadeira de
uma das mesinhas na calçada. Abre o jornal na página de óbitos, como de
costume, passa os olhos por todos os anúncios tentando achar algum nome
conhecido.
Pensa
no seu próprio funeral. Quer ser cremada, depois de doar o que for aproveitável
de sua carcaça. Não haverá velório, mas uma cerimônia simples antes da
cremação. No caixão, rosas ou orquídeas, nada de flores fedidas e nem velas
artificiais, aquelas de plástico com uma ridícula lampadazinha de luz
inconveniente. Se alguém quiser dizer algumas palavras, que sejam verdadeiras e
se houver música, que sejam canções alegres. Padre? Nem pensar. Eles nem
conhecem o defunto, dizem sempre as mesmas coisas sem sentimento e vêm sempre
de paletó surrado e camisa puída. Então, começou a visualizar os detalhes, as
pessoas chegando, olhando seu rosto e mãos de cera no caixão. Quem será que iria
lhe prestar a última homenagem e chorar a sua morte? E depois? Depois, nada.
Ninguém sabe nem nunca voltou para contar. A luz no fim do túnel não seria a
projeção dos neurônios se desligando? Ou há um portal que recebe as almas? O
barqueiro da morte? Um anjo de asas douradas? Não importa.
O aroma
do café fez com que voltasse à vida. Aqueles grãos torrados eram capazes de
gerar uma bebida maravilhosa, quente, estimulante, sensual...
Tomou o primeiro
gole de olhos fechados, depois voltou ao obituário no jornal.
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