25 janeiro 2016

Depressão

Desanimada, ela abre a janela para ver como está o dia. Nem se lembra que é domingo novamente, mais um detestável domingo de sol e de solidão. Arrastando os pés vai até a cozinha, mecanicamente toma um copo de água, meia dúzia de comprimidos. Pega o jornal na porta, joga em cima da mesinha e liga a tevê. O telefone toca, mas ela não atende, não quer falar com ninguém, não quer ver ninguém. Com os olhos fixos na tela, não presta atenção na veemente pregação do pastor evangélico e nos fiéis que a cada final de frase dizem aleluia! Precisava comer alguma coisa. Olha a geladeira vazia, decide sair para tomar o café da manhã perto de sua casa. Troca de roupa, lava o rosto, escova os dentes, penteia o cabelo de qualquer jeito. Quando se olha no espelho desanima; está branca, com olheiras, parecendo dez anos mais velha. Foda-se. Sabia que ninguém iria olhar para ela, mesmo. Pega o jornal, bate a porta e sai.
O dia estava agradável, caminha até o café do Zé, olha para o céu e puxa a cadeira de uma das mesinhas na calçada. Abre o jornal na página de óbitos, como de costume, passa os olhos por todos os anúncios tentando achar algum nome conhecido.
Pensa no seu próprio funeral. Quer ser cremada, depois de doar o que for aproveitável de sua carcaça. Não haverá velório, mas uma cerimônia simples antes da cremação. No caixão, rosas ou orquídeas, nada de flores fedidas e nem velas artificiais, aquelas de plástico com uma ridícula lampadazinha de luz inconveniente. Se alguém quiser dizer algumas palavras, que sejam verdadeiras e se houver música, que sejam canções alegres. Padre? Nem pensar. Eles nem conhecem o defunto, dizem sempre as mesmas coisas sem sentimento e vêm sempre de paletó surrado e camisa puída. Então, começou a visualizar os detalhes, as pessoas chegando, olhando seu rosto e mãos de cera no caixão. Quem será que iria lhe prestar a última homenagem e chorar a sua morte? E depois? Depois, nada. Ninguém sabe nem nunca voltou para contar. A luz no fim do túnel não seria a projeção dos neurônios se desligando? Ou há um portal que recebe as almas? O barqueiro da morte? Um anjo de asas douradas? Não importa.
O aroma do café fez com que voltasse à vida. Aqueles grãos torrados eram capazes de gerar uma bebida maravilhosa, quente, estimulante, sensual... 
Tomou o primeiro gole de olhos fechados, depois voltou ao obituário no jornal.

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