06 dezembro 2015

Gente fina

Zé está de olho numa  velhinha que vem vindo devagar. Apoiada na bengala e carregando uma sacola de pano no braço, vem pelo lado de dentro da calçada, quase esbarrando nos muros, talvez para se sentir, de certa forma, apoiada. Porte altivo, bem arrumada e toda penteada, tem um rosto aristocrático. Apesar das rugas, e do excesso de maquiagem, ainda conserva belos traços. Parece uma baronesa. Passa em frente ao café e para. Sacudindo a bengala, chama o Zé e pergunta:
 - Você aí! Venha cá meu rapaz. Preciso de um café com leite bem clarinho e um copo de leite morno, à parte. Você poderia fazer a gentileza de me servir?
Claro que poderia. Fazendo uns salamaleques, com um cuidado exagerado, Zé ajuda a velhinha a se sentar e vai providenciar o pedido. Viu logo que era uma fina senhora.
Enquanto isso, a dama abre a sacola de pano, tira um pedaço de pão embrulhado em papel-toalha, uma faquinha de plástico e um gato. Coloca tudo em cima da mesa. Chama o Zé novamente, pede um pires e um pouquinho de manteiga.
Zé, que tinha alergia a gatos, fica apreensivo. Não achava nada bom um gato em cima de uma das mesas, poderia espantar a clientela, mas não abre a boca. Espirra feito louco e esfrega os olhos, que já estavam vermelhos. Leva tudo o que foi pedido, atencioso, mas invocado. Depois, se acalma, vai fazer outra coisa e não presta mais atenção na velhinha que passa manteiga no pão, despeja o leite no pires e fica por ali bastante tempo. De barriga cheia, o gato dorme ao sol, com a cabeça ligeiramente pendida da beirada da mesa.
Depois que a baronesa saiu, Zé limpou tudo muito bem com um pano com álcool. Quando lavou a calçada no fim do dia, jogou creolina pura e uns baldes bem cheios de água. Pelo jeito não adiantou porque ninguém mais sentou naquele lugar. Reclamavam de cheiro de xixi.


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