01 fevereiro 2011

Viagem ao jardim

Empurrei a pesada porta de ferro que dava para o jardim e fui direto ao canto perto da grade onde ficavam os agapantos. Havia chovido, as flores haviam caído, as sementes verdes e aladas pareciam louva-deuses agrupados em conspiração. Queria tocá-los, mas me davam aflição, poderiam voar para cima de mim. Baixei a cabeça e me agachei apoiando os braços gordinhos nos joelhos e, com o dedo indicador, cavouquei a terra procurando minhocas. A terra estava fofa, não foi difícil achar e enfileirar as coitadas na borda de cimento que contornava o canteiro. Desesperadas e cegas pela luz buscavam a escuridão segura e macia de seu habitat.

Que gosto teriam? - pensei. Tinham gosto de terra.

Em fileira, formigas avermelhadas carregavam pedacinhos de folhas. Eu não tinha coragem de matá-las, mas também não gostava delas, eram egoístas e não gostavam de cantar. Então achei por bem dificultar seu caminho colocando pedras, pauzinhos e minha própria mão para ver o que elas faziam. Chatas. Depois de um tempo desisti e voltei minha atenção para as plantas.

Bem no meio do canteiro havia uma costela-de-adão copada, com folhas enormes. Bem no meio delas eu vi uma espécie de flor branca com uma banana limpa e lisa saindo de dentro. Uma tentação. Certamente minha mãe nãome deixaria tocá-la. Naquele momento, porém, eu estava só, ninguém me vigiava. Eu era obediente. Bastava alguém me dizer que eu não podia passar do portão que eu não passava. Mas, ninguém me disse para não pegar a flor/banana. Peguei. Comi.

No pronto socorro me fizeram vomitar, eu detesto vomitar. Minha boca estava inchada e vermelha, a língua grossa e a garganta ardendo. A enfermeira abriu um armarinho de ferro e vidro, pegou uma espécie de palito de cristal e enrolou um chumaço de algodão na ponta. Mergulhou aquilo num vidro cheio de líquido roxo, pediu que eu abrisse bem a boca, não ia doer nada.

Voltando para casa com a boca, a cara e o vestido pintados de roxo eu chorava tanto que minha mãe precisou parar o carro, se ajoelhar no banco, virar para trás e ver o que estava acontecendo. Nada. Eu só estava arrependida. Fiquei anos sem comer banana.

2 comentários:

Carol Gregori | São Caetano disse...

Sandra,
Blog com cara nova e sempre emocionando agente...
Beijos,
Lais e Priscila

Blog da Bruna disse...

Sandra, essa tua viagem ao jardim me emicionou por duas razões: os agapantos são as flores de jardim da minha infância (e do jardim de infência onde ia...) e segundo: eu também gostava (sempre tive jardim quando era criança mesmo tendo mudado inúmeras vezes de casa e de cidade) era onde eu ia ver de perto flores, grama e insetinhos...
Minha flor e folha preferida para mastigar (e são inofensivos..) o trevo...bons tempos idos. Alguém um dia me falou de um antigo proverbio indú que diz que "o homem poder perder - e recuperar, absolutamente tudo (da honra ao dinheiros...) mas nunca o tempo!
Beijos Bruna