Não seria
ótimo se, nos treinamentos de funcionários da área de saúde, houvesse uma aula,
um bate papo, sobre quem são os vetera novis,
os novos velhos? Essa geração que se multiplica e chama a atenção da mídia e da
publicidade? Essas pessoas que, como eu, nasceram depois da segunda guerra, sobreviveram
a fortes mudanças, transformações e
movimentos e, portanto, têm muito a dar e receber?
Com toda a
afetividade do brasileiro, é costume que os filhos tomem à frente a partir do
momento em que seus pais atingem certa idade, geralmente depois da
aposentadoria. Para nossa cultura isso significa
amor, você cuidou de mim agora eu cuido de você. Quero que todos saibam que sou
bom filho e que eu me preocupo com você.
Segundo
psicanalistas, existe uma fase importante na adolescência que é o processo de
reafirmação da identidade pessoal. As relações com os pais têm que mudar para
que os jovens possam ascender ideias próprias. É conhecida a fase em que os genitores,
que eram heróis, passam a não saber nada; os filhos sabem tudo. É muito comum
isso se estender por mais tempo ou se repetir mais tarde, quando os pais
envelhecem. Vamos combinar que, na
realidade, pais e filhos têm sua sabedoria de acordo com o tempo em que vivem
ou já viveram. Mas, como conseguir um acordo saudável e satisfatório?
Eu diria que
é conversando. Conversando sobre a vida e sobre a morte, sem tabus. Não
gostamos de falar sobre a morte, mas todos nós vamos morrer. Os adultos, jovens
e nem tão jovens, fazem questão de não pensar no assunto, acham que são highlanders, nunca vão morrer. Nós que
estamos envelhecendo, ou seja, os que vivemos mais, estamos na linha de frente,
temos voz ativa, somos os “desbravadores do futuro”, merecemos respeito.
No último
dia do ano de 2017, por volta das 14h00hs, dirijo-me ao pronto socorro do meu
convênio médico, que é muito popular e acessível às pessoas com 50 anos ou
mais. A sala de espera está cheia, no entanto, o operacional de atendimento flui de modo
eficaz. Enquanto espero meu nome aparecer na tela, em letras bem grandes,
diga-se de passagem, observo como é meu costume observar. Apenas três pessoas
estão desacompanhadas: uma senhora parecida comigo, um senhor que aparentemente
está sempre lá, e eu mesma.
Um homem se
aproxima e educadamente me pede para trocar de lugar para que sua esposa possa
ficar ao lado da nora. Claro, sem problemas. Levanto-me e espero ver uma esposa
com alguma dificuldade física. Não, ao contrário, uma senhora perfeitamente
independente e capaz se aproxima e toma o meu lugar. Por que será que o marido
precisou falar por ela? Gentileza? Proteção, talvez.
Sou encaminhada
para a sala de medicação e me acomodo bem em frente à porta, com plena visão de
quem entra ou sai. Mais uma paciente se aproxima; de cadeira de rodas dessa
vez, empurrada pela filha determinada. A enfermeira pergunta se a paciente
anda. A filha diz que sim, e a partir daí a interação é apenas entre a
enfermeira e a filha. Acomodam a paciente na poltrona feito uma boneca de pano. Será
que a paciente consegue se comunicar, ou acha mais fácil se deixar levar?
Volto para a
sala de espera e vejo um casal com um bebê chorão no colo, acompanhando um
senhor. Trocam a fralda do bebê enquanto eu penso que pronto socorro não é o
lugar ideal. Com tanta gente tossindo... O médico chama o senhor para a
consulta, o filho levanta primeiro e vai entrando. Depois chama o pai. Vem, pai.
Quatro
pessoas ocupam a primeira fileira de cadeiras estofadas de plástico: um casal e
duas senhoras. O marido puxa conversa comigo e começa a falar da cunhada. As
três mulheres são parecidas: duas superprotegem a que, pelo olhar perdido, identifico
como a paciente. É que ela tem a cabeça boa, sabe, mas é teimosa, não toma os
remédios direito, não quer se tratar, e a gente não sabe o que fazer, explica o
gentil cavalheiro. Se a cabeça está boa para que tantos acompanhantes?
Enquanto
aguardo o resultado dos exames fico pensando no que eu quero.
Naquele dia,
e pela proximidade, vou ao pronto socorro de ônibus, passo pela triagem e descrevo
meus sintomas para o médico. Quando questionada se quero tomar uma injeção de
cortisona, digo que sim. Detesto cortisona, odeio, mas na crise respiratória é
o que funciona. Será que seria melhor ter meus filhos ali, um de cada lado, decidindo
tudo por mim? Seria cômodo. Todos gostam de atenção e em qualquer idade,
inclusive eu, mas cada coisa em seu lugar. Se as pessoas vão decidir tudo por
mim, não vejo sentido em ficar por aqui.
Minha mente
divaga.
Será que os
filhos acham que, a partir de certo momento, têm que cuidar de nós, que somos
carta fora do baralho, e só eles sabem o que é bom para nós? Talvez não,
depende. Por que não conversar e saber o que de fato a gente quer? Todos podem
colaborar sem oprimir. Gostamos de estar no comando da nossa vida e só vamos
jogar a toalha quando não houver mais opção. Enquanto isso, ainda temos um bom
tempo pela frente, pelo menos é o que indicam as estatísticas sobre da
longevidade.
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