25 junho 2015

LIBERTA


Atravessamos a avenida fora da faixa de mãos dadas, surfando entre os carros. Sem fôlego, ríamos da molecagem quando o vento descolou do meu pescoço a echarpe de seda que eu gostava tanto. Um arrepio passou por mim. Ela alçou um voo ligeiro, se contorceu, foi se exibindo sinuosa. Tentei voltar para pegá-la, mas os carros formavam uma esteira rolante, sem a menor brecha entre um e outro. Pus o pé no meio fio e uma turba de motos cobriu o asfalto.  Recuei. A echarpe subia e descia no ar, uma pipa estampada, etérea e sem controle. O ônibus quase a pegou, mas ela se esgueirou graciosa até se engastalhar na copa de uma árvore. Ficou lá, latejando por uns instantes, até que o vento deslocado pelo carro-forte a fez voar novamente. Foi.

A cidade de pedra, os carros aflitos e a seda a dançar no ar poluído. Liberta de todos os medos, linda! Acabei me conformando. Não era mais minha, era do céu e do vento. Meu pescoço sentiria a falta do seu calor macio, meu batom e os brincos não teriam mais com o quê combinar.
Ele percebeu meu desapontamento, tentou me consolar dizendo compraria outra mais bonita. Eu não queria outra, queria a minha. Incontáveis  vezes a usei no pescoço, amarrada na cintura, prendendo o cabelo, cobrindo decote ou presa na alça da bolsa, para ser usada depois.
Começou a chover e os pingos grossos a empurravam para baixo. Ia descendo pesada, mas não desistia. Rodopiou, se esgueirou entre os carros até que a perdi de vista. 

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