01 novembro 2009

Murciélagos

A praia, em dias cinzentos, traz monotonia de tons e paz. Observo o dia sem graça e todos os meus pensamentos escorrem pelo meu corpo e penetram a areia úmida e macia. Noto um pequeno barco se aproximar e espero. Entro na água até onde dá pé e observo o barqueiro que rema como quem sabe o que faz. “Quer vir?” - pergunta ele. Digo que sim e, com certa dificuldade, subo no barco arfando. “Vamos do outro lado ver a gruta”, explica o moreno cuja pele mais parece um couro. Eu concordo balançando a cabeça e torcendo o cabelo molhado.

Mal se nota a abertura da gruta no meio da vegetação tropical. Precisamos deitar no barco e esperar uma marola para poder entrar. Depois de algumas tentativas conseguimos. Estou com medo, mas sei que vou gostar.

A pedra é escura cinza por fora e branca por dentro. A parte da gruta que fica no fundo do mar é aberta permitindo que a luz entre por baixo e reflita o azul da água. A sensação é de estar dentro de uma imensa água-marinha. Ouço o som da água pingando, olho para cima e vejo alguns retângulos de veludo enfileirados, presos pelo centro e pendurados nos estalactites. Morcegos. S

Desço do barco agarrando-me às pedras e peço para o barqueiro esperar. Sinto-me desprotegida por estar em traje de banho, tento percorrer uma espécie de trilha com muito cuidado. Estou curiosa. Além do som dos pingos pingando ouço apenas a minha respiração. Busco pela escuridão total, mas ela nunca acontece, sempre há uma luz que vem das águas cristalinas como se não houvesse mais nada que pudesse me surpreender.

Quando finalmente sinto escurecer me assusto e paro. “Quem está aí?” digo eu várias vezes até dois olhos imensos encontram os meus. São olhos apenas. Eu não consigo ver nem sentir nenhum corpo, apenas dois olhos, ora azuis, ora verdes, que se confundem com o azul e o verde que vem da luz do fundo do mar.

Continuo encarando os olhos e uma voz me diz que são os olhos da morte. “Não!” digo eu, “São os olhos do amor!” Sinto os olhos dentro dos meus olhos e sei que aqueles olhos são os olhos do amor. Mergulho no abraço por tempo indefinido.

Preciso voltar.

Agarrada às pedras, percorro a trilha de volta, entro no barco onde o moreno me espera, olho para os retângulos de veludo.

“Murciélagos”, sussurram eles. Suspendo minha respiração para ouvir melhor aquele mantra que ecoa sinistro, um convite para voltar.

O barqueiro rema com habilidade e logo estamos de volta à praia.

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