01 novembro 2009

Cubaníssimo

Quem, eu?
Sim. Eu sou cubano.
Nasci em havana, em dezessete do sete de sessenta e sete. Hoje completo trinta e três anos e penso em Jesus quando começou a pregar. Sinto uma necessidade urgente de me expressar e deixar registrada minha experiência de vida, que modestamente considero intensa e interessante. Posso dizer que hoje, começando a vislumbrar os primeiros traços de maturidade, reconheço os caminhos difíceis por onde a inexperiência me fez passar.

Eu sou filho da revolução e, apesar de não concordar com muitas de suas atitudes, posso dizer que devo a Fidel minha educação acadêmica. No entanto, minha formação como pessoa e como homem devo à minha família, ao meu pai e à minha mãe.

Com a revolução, meu avô perdeu todo o patrimônio que demorou quarenta anos para construir, ficando apenas com uma propriedade onde a família vive até hoje. Quando eu era pequeno, podia perceber que os tempos eram difíceis, mas não me lembro de vê-los revoltados e tenho certeza de que nunca os ouvi reclamar. “Meu filho, a nossa pátria é o mundo”, dizia meu pai. “Ame a vida e em tudo o que fizer, faça o melhor”.

Não concordo com os exageros nas condutas e na disciplina do sistema, mas gosto de lembrar dos tempos de estudante, quando todos os meninos com uniformes absolutamente iguais se reuniam no pátio da escola para hastear a bandeira.
Hoje eu sei que na verdade não há igualdade, pois a competição é inerente ao ser humano. Cada menino de uniforme queria ser o melhor e se empenhava para isso.
Tabuada, gramática, história, geografia, música ou esporte, todos tinham a oportunidade de se destacar, mas não pela roupa que estavam vestindo, pelo relógio ou tênis da moda, e sim pela dedicação e capacidade. Quando os valores materiais são subestimados, os verdadeiros valores têm a chance de brilhar. Gosto de lembrar da minha emoção, quando me esforçava para ser o melhor. Ao ganhar tudo perdia o sentido e era hora de recomeçar.

O exagero na disciplina, com o qual já disse que não concordo, gerava medo e repressão. Dependendo da falha cometida, perdiam-se pontos no boletim e às vezes o pai também era castigado. Hoje, esse fato parece uma crueldade, mas naquele tempo estava no contexto, já estávamos acostumados e fazia parte da rotina. A energia era canalizada para outros lados e conseguíamos vencer dificuldades maiores que certamente não venceríamos num regime mais liberal.

O ensino era amplo e aprendíamos de tudo. O currículo escolar era completo e com muitas horas para estudo. Os esportes ajudavam a liberar a tensão e toda aquela energia que se tem numa infância saudável. O atendimento médico e dentário, com acompanhamento periódico, era para todos, sem exceção.

No segundo grau, fizemos a Escola de Campo. Você me diz o quê, e eu digo como plantar: batata, mandioca, feijão, cana, milho, morango. Plantar e colher morangos para exportação era parte do programa. As frutas eram trocadas por produtos de primeira necessidade e não podiam ser comidas. Ninguém conhecia morango. No primeiro dia, foi uma festa! Todos comeram muito até ficar com a língua vermelha. Mas o castigo não tardou: no dia seguinte, uma patrulha de inspeção pedia que os meninos mostrassem a língua e os de língua vermelha foram duramente castigados. Nunca mais comi morangos.

As filas de meninos trabalhando na plantação eram enormes; na frente de cada menino havia uma estaca e as estacas eram unidas por uma corda fina. À medida que as sementes eram plantadas, a um sinal, cada menino fincava a estaca na terra um metro mais adiante. Enquanto me concentro para poder descrever, respiro fundo, sinto o cheiro da terra e do suor e ouço o sinal: yuuiiii! E a fila de meninos com estacas seguia adiante mais um metro de campo semeado. Era duro, mas havia beleza e poesia naquele trabalho comunitário. Hoje eu entendo a importância de se aprender o valor da terra e dos frutos que ela pode dar.

Sou engenheiro eletricista e, por ter escolhido a carreira certa, quando peguei meu diploma, queria minha profissão. No entanto, depois de formado, quando passei mais dois anos totalmente afastado da cidade trabalhando para o governo para pagar meus estudos, foi que completei minha educação aprendendo com a sabedoria das pessoas do campo.
Hoje não me falta trabalho e procuro não recusar.

Um dia eu vou levar você para Cuba, você vai adorar minha gente e depois você me leva para o Brasil. Por você, eu já sei que vou gostar.

Quando você sentir saudades de mim, olhe para a lua, cheia, de preferência, e nos contornos de cinza e prata sabrás que te quiero, mi amor.

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