15 setembro 2009

Estado de Coma

Finalmente o silêncio. Deveria ser a paz perseguida por vias equivocadas desde o primeiro momento em que se deu conta que existia. Na casa, era praticamente invisível, ninguém tinha tempo para o mais novo de cinco irmãos que dormia de manhã e navegava à noite, mastigando salgadinhos de gordura saturada e bebendo açúcar gaseificado direto do gargalo. Suas mãos sujas sapateavam no teclado e se esgueiravam das mangas encardidas do moleton cujo capuz cobria o boné cheirando a cabelo ensebado.

Velozes na madrugada, os carros virtuais faziam curvas perfeitas, o sincronismo da troca de marchas emitia o ruído certo, abafado pelos fones de ouvido, ele tremia de prazer. O coração, às vezes, disparava e ele se sentia mal, vomitava. Era o açúcar e a cafeína. Descia e esquentava no microondas os restos do jantar que fazia questão de não participar, comia na sala, no escuro, vendo televisão sozinho.

Sábado à noite, ninguém em casa; na garagem, o carro pai esfriava o motor e estalava, aquietando-se no repouso. Ele entrou, a chave estava no contato, virou e ligou o som. O painel eletrônico o hipnotizou e ele ficou ali, em comunhão total com a máquina. De um sobressalto, ajeitou-se no banco, engatou a ré e saiu primeiro devagar, depois, vendo que podia, ganhou velocidade e se atreveu a deslizar nas avenidas vazias. Pegou a marginal e acelerou. Voava livre, rindo alto. Não viu que a pista bifurcava e se transformava em viaduto, continuou em frente, bateu na amurada de cimento, virou no ar.

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