19 maio 2009

Lirios

BASEADO NO CONTO DE ADRIANA FALCÃO
Ali, deitada, divagou:
se fosse eu,
Teria escolhido lírios.

Morrera de repente. Fora um ataque fulminante do coração, era o que diziam os parentes em volta do caixão, enfeitado com rosas cor de rosa. Os cabelos cacheados e abundantes emolduravam o rosto. Sua pele fina estava transparente na testa e mal cobria os vasos azulados. Os lábios ressecados e entreabertos davam a impressão de que a bela mulher sorria, como se não soubesse que tinha morrido. As mãos sobre o peito seguravam um terço de cristal. As pessoas estavam chocadas, não choravam, não faziam comentários e nem rezavam, apenas velavam o corpo da defunta, em total silêncio.
No meio da manhã, chegou o marido segurando a filhinha de cinco anos pelas mãos e as pessoas ficaram chocadas:
- Pobrezinha! Não deviam ter trazido essa criança, podeficar traumatizada.
– Elas sempre ficam traumatizadas. Eu também fiquei, e já era moça feita! - disse a tia avó, lembrando de sua mãe falecida havia mais de quarenta anos.
- Ela quis vir, disse o pai. – Queria entender o que acontece quando as pessoas morrem e eu achei melhor ela vir, ver a mãe e se despedir.
Segurando a menina no colo, o pai tentava explicar, com carinho, os mistérios da vida e da morte. Difícil para ele, mas a menina entendeu. Olhava para a mãe com os olhos bem arregalados, se atinha aos detalhes, olhava para o pai e não dizia nada. Pediu para descer; o pai a colocou no chão e ela saiu correndo para o corredor, entrando, a seguir, na sala ao lado, onde havia outro velório. Ficou parada na entrada, observando e logo voltou para perto do pai.
A hora do enterro se aproximava, as pessoas iam chegando sem saber o que dizer, nem como agir; cumprimentavam o pai, faziam um carinho na menina agarrada às pernas dele, chegavam perto do caixão e faziam o sinal da cruz.
Lá fora, um movimento: o carro funerário havia chegado e dois funcionários de roupa caqui entraram com um papel na mão. Pegaram a tampa do caixão que estava encostada na parede e foi então que a menina disse:
- Vão levar a mamãe? Eu nunca mais vou ver ela? Quero ver de novo, quero dar tchau para a mamãe, posso? Me segura no colo papai, quero ver.
O pai a ergueu e a abraçou com força. A menina jogou um beijo e deu adeus com a mãozinha. Enquanto atarraxavam os parafusos ela disse:
- A mamãe me disse que gostava de lírios.

Um comentário:

Blog da Bruna disse...

Sandra, tão natural o comportamento da menina ainda sem o trauma da perda. assim sendo, mesmo sem a palavra chave obrigatória (ou quase), eram mesmo os lirios que deveriam aparecer.
Como sempre, continuamos..BN