15 dezembro 2013

Não sei mais usar xampú

Juro, não sei.

Xampú, ou shampoo? Também não sei.

Hidratante, revitalizante, fortificante, tonalizante, clareador, recondicionador, restaurador, reconstrutor, purificador. Controle de volume, controle de frizz, controle de queda, proteção de fios, proteção solar, contra caspa, uso constante...

Devo preferir cremoso, gel, perolado ou com microesferas?De frutas, de flores, de ervas, de oleos essenciais...

Com queratina, colágeno, vitamina E ou óleo de argan? Com sal e sem sal.

Preciso escolher também o PH: 5, 5.6, 6, 6.5 ou 7.

E claro, preciso ter absoluta certeza como são os meus cabelos...

"O Brasil reúne os sete tipos de cabelo encontrados no mundo. Catalogados pela gigante francesa L´Oréal, eles são distribuídos da seguinte forma: lisos, levemente ondulados, ondulados, levemente encaracolados, encaracolados, afro."

secos, oleosos, normais, secos só nas pontas
curtos, longos, semi-longos
tingidos, alisados, descoloridos, danificados, grisalhos...

e pensar que, não faz muito tempo, se lavava a cabeça com sabão de coco...

12 dezembro 2013

Carnes

Cobrador - Já cumeu carni di caval?        
Motorista - Carni di caval? Não, ué. Cê já?
Cobrador -Cumi quibi.
Motorista - Qui qui é iss?
Cobrador - É coisa de árbi.
Motorista - Ah... Cumi carni di gatu.
Cobrador - Tamém já. Gatu já cumi.
Motorista - Cumé carni de caval?
Cobrador -Cê ferve e sai uma iscuma. É o suór du bichu.
Motorista - Di gatu prece cu frangu.
Cobrador - Como sempre, a patroa faiz.
Motorista - Num gosto não.
Cobrador - E coxinha de carni di genti?
Motorista - Quê?
Cobrador - Carni di genti, coxinha de genti.
Motorista - É memo?
Cobrador - É, uai.
Motorista - Carni de genti...
Cobrador - Lá em Pernambuco tem um povo qui comi.

05 dezembro 2013

Metrô - entre Paraíso e Vila Madalena

Ver a mulherada enrolar e desenrolar o cabelo compulsivamente e lixar as unhas eu já até me acostumei. Trocar de sapato, acho estranho, mas prático. Faria se fosse preciso. Pegação de pé, no metrô lotado também não estranho mais, afinal, os hormônios andam em alta. 

Recentemente descobri o que eu temia... a moda é terminar de se arrumar dentro do trem, durante a viagem. Imaginei as meninas pensando... vou pra balada, acordo no último minuto e acabo de me arrumar no metrô, tipo assim, normal.

Hoje eu vi duas, uma do meu lado e a outra na minha frente: várias estações só passando rímel, depois lápis (fiquei com medo que furassem o olho) blush, pó, batom, sombra, creminho na mão...Uma delas tirou uma pinça e acertou a sobrancelha...



Fiquei pensando em levar uma pequena bacia de plástico, uma garrafa térmica com água quente, toalha, alicate, aquele negócio de ralar o calcanhar e fazer os pés pegando a linha azul até o Tucuruvi.

04 dezembro 2013

Quer ver a menina?

Ela é perfeita.

- Quero dormir, tire ela daqui! Não quero ver ninguém... - respondeu a mãe com voz pastosa por causa do clorofórmio.

Nasceu na segunda-feira às 7:30 da manhã pesando pouco mais de um quilo e meio. Custou a chorar. 

Quando a enfermeira trouxe a criança no quarto, toda enrolada em flanelas, só se via um tufo de cabelo preto. O pai a recebeu de braços abertos, cantarolou e dançou com a menina no colo. Depois, colocou-a na cama e a despiu. Encantado com aquela criaturinha arroxeada, examinou os dedinhos de pé, da mão e a vestiu novamente com habilidade. Sacudiu a mãe para que visse a criança.

Foram para a maternidade no domingo à tarde. A mãe, nervosa, sentia-se gorda de tanta cerveja preta e canjica; andava mal por causa da barriga e odiava arrastar os chinelos sem salto. Que pelo menos fosse um menino, para compensar tanto desconforto e os quinze anos sem filhos. O pai estava eufórico, depois de 40 anos bem vividos. Com cuidado, a acomodou no carro e a levou para a maternidade do Instituto dos Bancários.

Muito reservada, a mãe estava contrariada em se expor para as enfermeiras nos preparativos do parto. A bolsa rompeu, ela fez força e o bebê entrou e virou. O médico, que auscultava os batimentos dela e da criança, percebeu que havia risco para ambas. Decidiu tirar o bebê a fórceps altos.

Achando que o parto já fosse martírio suficiente, a mãe não fazia ideia do que seria amamentar: o peito sangrava e vertia leite a menina berrava, a boca era pequena e a fome desesperadora. A solução foi buscar leite de ama. Durante um ano o casal cumpriu esse ritual indo, todos os dias, buscar as garrafinhas de leite.

Do hall da maternidade, o pai deu vários telefonemas. Depois foi registrara filha no cartório e aos jornais colocar um anúncio no setor de nascimentos. A irmã da mãe veio ajudar e disfarçou a decepção; como os outros parentes, esperava um menino grande, forte, loiro e de olhos azuis. Tentou animar a irmã dizendo que o dia estava lindo, que a criança era saudável, melhor que fosse mulher, pois seria companheira. No dia de ir para casa a mãe estava pálida, com medo de enfrentar a responsabilidade. Além do marido e dos pais doentes, agora tinha um bebê prematuro para cuidar.

Inexperiente, tentava parecer forte e segura. Quando cometia um erro, fumava um cigarro atrás do outro, não dormia de remorso. Um dia, um acidente: ao sair da Santa Casa e entrar no carro derrubou a cesta com as mamadeiras. Tremia ao ver o leite da pobre ama escorrendo na calçada. As orelhas de abano da menina a incomodavam. Achou que colocando esparadrapo poderia resolver; depois de uns dias, na hora de tirar, a pele veio junto, mas as orelhas ficaram no lugar. As calças plásticas, novidade pós-guerra, cozinhavam a pele fina; tudo difícil, a menina não queria comer, quando comia, engasgava. Era um ser delicado, mas vingou.

A preocupação maior era tornar aquele ser mínimo, que dependia totalmente dela, uma pessoa educada, independente e responsável. A vida era muito dura, mas sua filha seria forte, mais forte do que ela se esforçava ser.

A menina andou cedo, falou cedo e logo tirou as fraldas. Alegrava a casa, entendia tudo que sua avó lhe falava em italiano, desafiava as ordens da mãe e esperava o pai no fim do dia. Era uma menininha pequena no meio de adultos e com dois anos foi para o que seria hoje uma escolinha maternal, conviver com outras crianças e sair do ambiente pesado de casa.


O pai sentiu a responsabilidade, não queria que sua menina crescesse vendo os agiotas na porta a cobrar dívidas de jogo. Dedicou-se ao seu trabalho no banco, deixou de jogar e abriu uma camisaria como segunda fonte de renda. A mãe o apoiava em tudo, eram parceiros, amantes e ...pais. Bons pais.