29 junho 2012

ganhei de presente esta manhã



Me dê logo um copo

De leite
Branco puro opaco
Um receptáculo
Vá pegar no meio do jardim
Assim
Na primeira claridade
Me dê logo um falo
Aprumado 
Amarelo puro dourado
Isca sedutora
Corola imaculada
No frescor da alvorada 



19 junho 2012

Sopa

Gelada e turva, lá está ela no pote de vidro.
A tampa, que também é de vidro, sua lágrimas de vapor resfriado. Ao lado, outro pote. Opaco e coberto por um prato esconde um cadáver vegetal. A porta se abre, a luz acende e a sopa lá, gelada. Turva e macilenta.

Todos os dias, durante vários dias, surge o medo da decomposição. Da má água parada, da mágoa congelada. Podridão. Novamente a porta se abre.
Os potes são retirados.
As tampas removidas.
Nojo.
Aversão.
A sopa gelada não estava estragada.

medo


05 junho 2012

Celular

Júlio. Júlio, presta atenção no que eu estou falando. Não dá para ficar com ela, eu já expliquei, não vai dar. Eu ainda preciso dividir o aluguel com alguém, Júlio. Não consigo pagar sozinha, como eu vou ficar com ela? Não. Não dá. Eu sei. Eu sei que você também não pode, mas ela tem que se virar. Sabe a Valéria? Então, elas fizeram umas pulserinhas, tipo chique, entende, super bonitas. Daí eu falei por que você não vai vender nas lojas? Sabe o que ela disse? Eu não tenho jeito para vender. O Alceu, sabe o Alceu? Está precisando de recepcionista no consultório, queria uma pessoa mais velha, mais responsável e eu pensei nela. Falei, vai lá mãe, pelo menos você não fica sem fazer nada o dia inteiro, você ganha, ajuda ele, conhece outras pessoas. Ela disse que não tinha jeito, de novo. Será possível que ela não tem jeito para nada? Pô! Não dá. Não Júlio. Claro que não! Espera aí, vamos combinar, você também não quer. Fala a verdade! Fica com ela você, comigo não dá, eu não tenho paciência. Trabalho pra caramba.Você quer que eu decida tudo? Pensa. Estou tentando. Eu falei para ela ficar com a Leninha, assim ela ajuda quando o nenê nascer. Sabe o que ela falou? Que não gosta da Leninha, só atura porque é mulher do Pedro. Você acha? Não estou fazendo fofoca, Júlio, estou só comentando. eu ia lá saber que ela não gosta da leninha? Está bem. Ok. Entendi. Mas você não vai me ajudar com nada?Estou falando Júlio, se eu bancar o aluguel sozinha eu fico sem comer! Não é exagero, estou fando sério. Sei. Entendi. Bom, se você e o Pedro me ajudarem, a gente divide o aluguel em três. Ai, dá. Mas, Júlio, não é justo. Ela quer que a gente pegue ela pela mão. Você se lembra dela pegar a gente pela mão? Quando que ela ajudou a gente, hein? Quando? Eu não me lembro. Entendi. Sei. Tudo bem.Para variar sobrou para mim. Beijo. Tchau.

04 junho 2012

Ônibus politicamente incorreto

Hoje eu não vou abrir minha boca. Se alguma velha me perguntar se eu subo a Brigadeiro Luiz Antonio vou ficar mudo. Se algum aleijado me agradecer por parar fora do ponto vou ignorar e se algum cego pedir para vender bala não vou deixar. Vai ser assim.

Nossa, quanta mulher feia no ponto! Olha aquela japa ali! Tem perna torta e parece que levou uma panelada na cara. E a gorda? Peitão está bom! E a neguinha de chapinha, coitada. Dois viados de cabelo pintado... mereciam uma surra. Hoje está difícil. Dez horas dentro desse ônibus. Que cheiro de sovaqueira... pelamordedeus!

Quase...nossa, foi por pouco. Que louca! Só podia ser mulher, mesmo. Meteu o carrão na minha frente numa boa, falando no celular. Relógio, bolsa, óculos, tudo do camelô da 25 de Março. Conheço o tipo.
- Vai lavar roupa dona Maria! Lugar de mulher é no tanque! - dá vontade de meter o carro em cima. Rico é tudo igual, estão se lixando para os outros. O carro dela é caro, mas o meu é grande... já se viu.

Só entra estrupício. Feia, feia, gorda, baranga, cara de empregada, cara de vagabunda. Não vou mais nem olhar para o lado, só pra frente. Estou no horário, nenhum congestionamento ainda, estou na minha.
- E aí, negão! Beleza? Estou nessa linha agora. É. Vamo indo, né? Vai com deus... - Com o colega eu falo, só não falo com esse povo. Bando de pobre feio, fedido.