21 maio 2009

Analfabetos no Metrô de São Paulo

VAI ESPERAR O PRÓXIMO TREM?
ENTÃO DÊ PASSAGEM PARA QUEM VAI EMBARCAR.

A senhora gorda com um grande saco de lixo cheio, pousado ao seu lado, e um monte de sacolas na mão não vai embarcar no próximo trem porque está tentando achar algum papelzinho na carteria, mas fica parada bem no meio do caminho atrapalhando o povo que quer entrar.

ANTES DE ENTRAR NO TREM, DEIXE AS PESSOAS SAÍREM.

E as tribos se confrontam: os de fora querem entrar e os de dentro querem sair ao mesmo tempo. Ninguém cede, ninguém entra, ninguém sai.

CUIDADO COM O VÃO ENTRE O TREM E A PLATAFORMA

A moça com uma bota de doze centímetros de plataforma entala o pé. Gritaria, pára tudo, puxa... Saiu!

SE VOCÊ NÃO DESCER, DEIXE A PORTA LIVRE

E o rapaz se encosta entre a porta e primeiro banco como se fosse o homem invisível. Só ele acha que não está na porta. Leva um pisão, quase esmagam seu pé 44. Pudera!

ASSENTO ESPECIALEMTE RESERVADO PARA:
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
GESTANTES
PESSOAS COM CRIANÇAS DE COLO
IDOSOS

Em um assento especialmente reservado está um jovem alto e forte fingindo que está dormindo, com Ipod no último volume. Em um assento especialmente reservado, e duplo, um casal se beija loucamente.

CARREGUE SUA MOCHILA NA PARTE DA FRENTE DO CORPO PARA NÃO ATRAPALHAR OS OUTROS PASSAGEIROS

O jovem caramujo, que leva sua casa nas costas, se vira abruptamente e quae deurruba uma senhora que vai descer na proxima estação.

EVITE ACIDENTES NA ESCADA ROLANTE

Um menino desce a escada que sobe e o irmão sobe na escada que desce. Gritam feito loucos. A mãe não fala nada.

MANTENHA A DIREITA
DEIXE O LADO ESQUERDO LIVRE PARA QUEM ESTÁ COM PRESSA

O homem bem vestido sobe a escada rolante do lado esquerdo e nem percebe que bloqueia a passagem dos que tem pressa porque está dizendo palavrões ao celular. Parece que é assunto de trabalho.

O metrô está poluído com tantos avisos e ninguém lê. tenho vontade de colocar um colete luminoso eficar explicando para as pessoas. Depois, acho que não valeria a pena.

Mulher Mutilada

Olhou-se no espelho do banheiro com as duas mãos aparando os seios. Erguendo-os um pouco e avaliando as formas redondas como se fossem duas frutas maduras, achou que ainda estavam pequenos e caídos. – Semana que vem, - pensou. Ficou de perfil contraindo os glúteos, depois relaxou o abdome inclinado os quadris para frente. Nem dava para ver a cicatriz. Levantou os cabelos bem no alto da cabeça e achou-se bela. Belíssima! Todos os dias, após duas horas de exercícios com seu personal, sentia-se assim, como se ainda tivesse trinta anos. Era terça-feira, dia de ira ao tinturista retocar a raiz e depois fazer hidratação.
Depois do chuveiro, iniciou o ritual dos quatro cremes: primeiro o dos pés, depois o das pernas e dos braços, a seguir o da barriga e seios e, por fim, pescoço e rosto. Uma camada de filtro solar 50, brilho labial, nuvem de perfume.
Andou nua até o closet, escolheu lingerie de seda combinando com a roupa de griffe. Vestiu sapatos italianos ( só usava sapatos italianos) e pegou uma bolsa, qualquer uma, desde que custasse, no mínimo, o preço de um carro velho.
Saiu com o celular entre a orelha e o ombro, chaves na mão. Entrou no carro, jogou a bolsa no banco de trás, trancou as portas blindadas e ligou o ar condicionado. Tomaria um suco com adoçante no cabeleireiro, depois iria ao psiquiatra.
Sentada em frente do homem grisalho vomitava frases feitas, cruzava e descruzava as pernas, desenhava amplos círculos no ar com os braços longos e finos. Depois de cinqüenta minutos o homem grisalho perguntou:
- Vai querer continuar com a mesma dose de Prozac?

19 maio 2009

Lirios

BASEADO NO CONTO DE ADRIANA FALCÃO
Ali, deitada, divagou:
se fosse eu,
Teria escolhido lírios.

Morrera de repente. Fora um ataque fulminante do coração, era o que diziam os parentes em volta do caixão, enfeitado com rosas cor de rosa. Os cabelos cacheados e abundantes emolduravam o rosto. Sua pele fina estava transparente na testa e mal cobria os vasos azulados. Os lábios ressecados e entreabertos davam a impressão de que a bela mulher sorria, como se não soubesse que tinha morrido. As mãos sobre o peito seguravam um terço de cristal. As pessoas estavam chocadas, não choravam, não faziam comentários e nem rezavam, apenas velavam o corpo da defunta, em total silêncio.
No meio da manhã, chegou o marido segurando a filhinha de cinco anos pelas mãos e as pessoas ficaram chocadas:
- Pobrezinha! Não deviam ter trazido essa criança, podeficar traumatizada.
– Elas sempre ficam traumatizadas. Eu também fiquei, e já era moça feita! - disse a tia avó, lembrando de sua mãe falecida havia mais de quarenta anos.
- Ela quis vir, disse o pai. – Queria entender o que acontece quando as pessoas morrem e eu achei melhor ela vir, ver a mãe e se despedir.
Segurando a menina no colo, o pai tentava explicar, com carinho, os mistérios da vida e da morte. Difícil para ele, mas a menina entendeu. Olhava para a mãe com os olhos bem arregalados, se atinha aos detalhes, olhava para o pai e não dizia nada. Pediu para descer; o pai a colocou no chão e ela saiu correndo para o corredor, entrando, a seguir, na sala ao lado, onde havia outro velório. Ficou parada na entrada, observando e logo voltou para perto do pai.
A hora do enterro se aproximava, as pessoas iam chegando sem saber o que dizer, nem como agir; cumprimentavam o pai, faziam um carinho na menina agarrada às pernas dele, chegavam perto do caixão e faziam o sinal da cruz.
Lá fora, um movimento: o carro funerário havia chegado e dois funcionários de roupa caqui entraram com um papel na mão. Pegaram a tampa do caixão que estava encostada na parede e foi então que a menina disse:
- Vão levar a mamãe? Eu nunca mais vou ver ela? Quero ver de novo, quero dar tchau para a mamãe, posso? Me segura no colo papai, quero ver.
O pai a ergueu e a abraçou com força. A menina jogou um beijo e deu adeus com a mãozinha. Enquanto atarraxavam os parafusos ela disse:
- A mamãe me disse que gostava de lírios.